Fórum de Discussão: o retorno a uma utopia realizável - a Universidade do Minho como projecto aberto, participado, ao serviço do engrandecimento dos seus agentes e do desenvolvimento da sua região

sábado, maio 17, 2008

A propósito de “notas soltas” e da falta de uma cultura de cidadania

Há mais de 25 anos que colaboro mais ou menos regularmente com a comunicação social impressa sob a forma de artigos de opinião, textos de divulgação técnico-científica e comentário a situações que me são ocasionalmente colocadas. Raramente me chegam reacções ao que escrevo ou tenho eco do acolhimento que os textos encontram. Mesmo em sede do meu “jornal de parede”, os comentários ao que publico são escassos, infelizmente.
Atribuo isso, genericamente, à falta de cultura do exercício de cidadania, fruto de uma sociedade que foi pouco habituada a e pouco preparada para o debate das suas metas colectivas e que é pouco exigente com os seus “lideres” e consigo própria, desde um passado mais ou menos remoto mas também actualmente. Na falta dessa cultura “democrática”, desgraçadamente, confunde-se amiúde divergência de leituras com agravos pessoais.
Foi pois com surpresa que recebi, por correio electrónico, umas quantas reacções ao artigo de opinião que nesta 5ª feira pp. publiquei no Jornal de Leiria e reproduzi neste blogue (Ainda a reforma do ensino superior: algumas notas soltas). O tom das reacções foi diverso. Agradeci quer as manifestações de adesão quer as de rejeição do que aí dizia. Conforme expliquei na resposta a algumas das mensagens recebidas, um dos objectivos do texto de opinião em causa era levantar questões sobre o que vamos fazendo nas nossas instituições de ensino superior e fomentar o debate sobre para onde queremos ir, algo que, conforme tenho reiteradamente afirmado, tem escasseado no ensino superior nacional, e que a tutela também não promove, antes pelo contrário.
Havia quem contestasse o rigor da informação sobre que o texto se apoiava. Houve também quem não percebesse que o texto não visava particularmente nenhuma instituição ou os seus representantes, mesmo tomando por exemplo quatro ou cinco delas. Houve quem não entendesse que um texto de opinião, para ser minimamente eficaz, não pode ser incolor, inodoro, sem sabor. Felizmente, encontrei quem achasse que levantar questões é um primeiro contributo para termos organizações e uma sociedade mais conscientes, mais mobilizadas, mais capazes de encontrar resposta para os desafios que se lhes oferecem e as dificuldades com que se confrontam.
Aparte a reflexão que um texto de opinião deve fomentar, o articulista vive limitado pelos caracteres que o texto não pode ultrapassar e pela comunicabilidade que a mensagem deve preservar. Os estilos também variam. Isso dita que muitas das ideias que nos textos emergem não podem ir além de esboços e invocações e que a respectiva sequência denuncie rupturas/descontinuidades que se prestam a variadas interpretações e a mal-entendidos. Isso sucedeu com o texto do Jornal de Leiria a que me reporto. Gostaria que tal não tivesse acontecido mas, porque quem anda à chuva molha-se, não será agora que passarei a fazer das zonas cobertas lugar único de permanência.
Não sei se surpreenderei alguém avançado a informação de que cheguei às “notas soltas” que publiquei no “Jornal de Leiria” no passado dia 15 de Maio partindo de um texto que tinha o dobro da dimensão do que saiu. Pena tive eu que tivesse que cortar, entre outros, o parágrafo que reproduzo de seguida:
“À luz deste paradigma, o planeamento articulado da oferta de ensino e a gestão de recursos parecem não fazer sentido quando as instituições que se pretende reunir em consórcio são a Universidade (clássica) de Lisboa e o Instituto Politécnico da mesma cidade. Outro tanto se dirá em relação a um consórcio que possa reunir recursos e competências do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, do Instituto Politécnico de Viana do Castelo e da Universidade do Minho, que não está em discussão mas devia estar. Mais natural e eficaz se acha que aqueles institutos vão bem com Bragança e com o Porto.”
Outro tanto vale para a seguinte citação:
"The kind of commitment I find among the best performers across virtually every field is a single-minded passion for what they do [...] Genuine confidence is what launches you out of bed in the morning, and through your day with a spring in your step." (Jim Collins, SBANC Newsletter, 29 de Abril de 2008).
Em Portugal, entretanto, a paixão parece ser uma coisa profundamente condenável e a confiança algo que só vale quando esteja em causa a nomeação de assessores, secretárias/os e directores de serviço.
Mandem mais comentários! Obrigado.

J. Cadima Ribeiro

5 comentários:

Alexandre Sousa disse...

Habituei-me a respeitar o JCR por um punhado de razões que só a mim compete enunciar e avaliar. São critérios meus e eu sou um espantalho eminentemente individualista.
JCR tem altura para trazer à discussão nesta praceta que frequentamos, um dos temas mais «quentes» da nossa actualidade. Faça-se parêntesis para explicar que na minha terra «ter altura» tem muito mais que ver do que a simples métrica da física.
JCR tem estatuto moral, tem direito a pegar nos «parentes» e se assim o entender, pô-los em cima da mesa.
A educação superior portuguesa está mal. Percorreu um caminho que vai desde o século XIX até à pseudo-democracia académica do pós 25 de Abril. Respondeu mal ou bem, de forma datada, aquilo que se lhe pedia. Portuguesmente nunca questionou modelos. Veiga Simão plantou escolinhas por todas as capitais de distrito, respondendo ao défice de professores disto e daquilo. Mentimos, sempre que não temos a coragem de assumir que Portugal está pleno de escolinhas. João Deus Pinheiro vendeu alvarás e nem de anúncios na TV precisou para que se criassem sociedades lucrativas de ensino e produção de diplomas. OJO! Que eu também vou buscar complemento de ordenado ao ensino superior privado.
Eu fui companheiro de trabalho de um homem que muito respeito e que na sua área de influência (Aveiro) pôs em prática uma ideia, um modelo e um tipo de escola que se diferencia de tudo quanto por aí está plantado. Se teve ou não êxito naquilo que fez, é discutível. Tudo, alias tudo, deve estar em discussão no que toca à educação superior. Não pode nem deve ficar uma única pedra a recato deste debate que ficará cada vez mais podre quanto mais hipocritamente o deixarmos para amanhã.
Portugal deixou de ter voz activa nesta matéria desde que aderiu ao grupo da União Europeia. O processo bolognese é uma série de actividades ongoing que passam por tudo quanto é escola no plano europeu. Não adianta fazer de conta que está mais à frente ou mais atrás no confronto do avança-recua em que se degladiam as grandes escolas europeias e as escolinhas como as nossas. O processo está ongoing e não é aqui, no estuário do Douro ou na foz do Lima, muito menos no Mar da Palha, que alguém se vai atravessar para demorar o ritmo das iniciativas. Lembro-me sempre de um bom amigo (ainda em Bruxelas) que me dizia há 10 anos atrás: Alex, eu vivo aqui, sentado junto à escadaria do poder. Vai haver sempre alguém que tropece em mim.
Que fazer?
Não temos regiões sem ser as tradicionais construídas pelo Valente de Oliveira a régua e lápis. Não fora assim, poder-se-ia aceitar que as escolas fossem complementares nos saberes e no tipo de graduados que seriam entregues às comunidades. Penso sempre no mal que se fez e deixou fazer quando não se enviesou a Escola que está para lá do Marão a dedicar-se ao Vinho do Douro.
Se à maioria do povo tanto se lhe dá que tenham regiões como esteja na cidade grande o verdadeiro albergue dos que nada sabem fazer ou outro tanto se diga da respectiva experiência, prática disto e daquilo, etc. e coisa e tal, então, deixem que as escolas se abracem, beijem, façam amor, pratiquem a união de facto. Então não é que um paradigma dos tempos modernos é dizer não às manifestações homofóbicas?
Deixem-me confessar publicamente uma sincera frustração:
- Então não é que eu sonhava um dia destes fazer um grande anúncio público de uma união de facto entre a Universidade Aberta e uma Coisa que vai aparecer por aí, eis senão quando o Instituto Superior Técnico me tira o trunfo da mão?!
Vou ficar chateado por isso?
Então se as ideias em que acredito são postas em prática, eu é sou o burro? É? E o burro sou eu?
Ah! começo a ver melhor. Se o meu compadre não está na jogada, então a jogada não presta. É isso Zé Mariano? Vai pr’a aquela parte. Nem que seja p’ra me trazeres uma amostra.

J. Cadima Ribeiro disse...

Caro Alexandre Sousa,
Obrigado pela sua palavra de conforto. Confesso que também eu, de vez em quando, penso em desistir. Esta vida de agitador é desgraçada, sobretudo quando quase não sobra ninguém para agitar.
Não houvesse gente como o meu caro AS e talvez tivesse já partido para outra.
Um abraço,

Regina Nabais disse...

BRAVO! JCR.
Gosto muitíssimo de o ver assim inspirado!
Neste nosso cenário de ES, o que mais nos faltava seria uma desistência sua. Deus o livre sequer de pensar nisso!
ESTÁ PROIBIDO! Pensar em desistir de contribuir com o seu pensamento, numa latura destas, é o mesmo que fumar em aviões, dos não fretados!
Bom, passei aqui, só para dizer que o seu post de hoje é mais outro texto que colocarei naquela minha pilha, para na hora certa pedir BIS!
Abraço,

Regina Nabais

LN disse...

Já está... pontes e empréstimos :) de ideias. Gostei mesmo de ler.
Continuamos?

J. Cadima Ribeiro disse...

Cara Regina Nabais,
Cara Lúcilia Nunes,
Obrigado pela vossa visita e amizade.
Que outra coisa podemos fazer se não continuar? Tentarei seguir o vosso exemplo.
Notem que o que me abate não são os comentários que me chegam. É a sua ausência e a apagada e vil tristez que por aí grassa.
Um abraço,