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sexta-feira, julho 04, 2008

" Os académicos estão desiludidos com Mariano Gago, e têm razões para estar"

«O choque académico
O país das universidades na banca rota, em risco de deixarem de pagar salários e com dificuldades em garantir o arranque do ano escolar, contrasta com o discurso de incremento da investigação e aposta nas qualificações do governo. Os académicos estão desiludidos com Mariano Gago, e têm razões para estar.
O governo de José Sócrates entrou com um discurso positivo em relação ao ensino superior. O choque tecnológico definia um ambicioso aumento das verbas para investigação e uma aposta na qualificação das pessoas, que passava por um reforço do número de licenciados e de pós-graduados. Objectivos que prometiam por fim a três anos particularmente negros para o ensino superior: entre 2003 e 2005 houve importantes cortes nas verbas das universidades. Diminuíram as verbas para a investigação e caíram os montantes atribuídos às despesas gerais das universidades, devido aos cortes orçamentais. Em alguns casos foram ainda reduzidas as transferências para o ensino em resultado da quebra do número de candidatos verificado nesse período.
Mariano Gago apresentava-se então ao país como um ministro com experiência, com forca dentro do governo e com uma sensibilidade académica. Criaram-se fortes expectativas de que o seu ministério iria trazer reformas importantes ao mundo académico português e retiraria as universidades da situação de penúria em que estavam. Ao fim de três anos o mundo académico sente-se distante dos objectivos do ministro que o tutela. Muitas das reformas continuam por fazer e não se sabe qual a direcção que o ministério quer dar. Os académicos não participam nas decisões. As universidades continuam a não saber, de forma clara, com o que podem contar. Todos os anos há novos cortes e novos truques para cortar ainda mais.
A situação de ruptura em que já se encontrava o ensino superior foi apenas agravada. Desde 2005, as verbas liquidas atribuídas às universidades desceram, enquanto os encargos subiram, com o aumentos dos preços e das remunerações, e as subidas de categoria. No corrente ano, com o forte desvio de verbas para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), as universidades ficaram ainda mais estranguladas.
Será que isso significa que não vão abrir, ou não vão conseguir pagar salários? Penso que não. Mas este apertar do cinto, que já estava na última casa, irá ter consequências. Para os alunos, uma vez que esta situação não deixa outra opção às universidades senão cobrar as propinas máximas, e em cima disso tentar obter todo o tipo de receitas os serviços adicionais. Para a qualidade de ensino, já que as limitações de fotocópias, a não reparação e reposição de projectores e outro material didáctico, os cortes nas subscrições de revistas e de acesso a programas informáticos e a bases de dados, reflectem-se na forma clara na forma como as aulas decorrem. Os alunos vão pagar mais e receber um serviço pior.
Outra consequência negativa será, sem dúvida, o desvio de verbas da investigação para garantir o funcionamento das universidades e o ensino. Algo que já ocorre há algum tempo, mas que se irá agravar. A percentagem que as instituições retêm dos projectos de investigação subiu em quase todas as universidades, enquanto que o apoio que estas dão aos projectos diminuiu. Há várias áreas das ciências em que o material de laboratório e os consumíveis usados nas aulas – obrigatórias em muitos cursos – são todos comprados com verbas de investigação. Esta situação leva a questionar qual foi o verdadeiro aumento de verbas aplicadas em investigação. O aumento de investimento em investigação tão anunciado pelo ministro foi principalmente canalizado para um número reduzido de grandes projectos apadrinhados pelo ministério. Os objectivos e projectos estão a ser decididos de forma mais política, sem ser claro quais os critérios que levam a privilegiar umas áreas face a outras.
Nos anos noventa Portugal fez um enorme esforço de expansão e melhoria das suas universidades. Investiu, por exemplo enormes recursos em formar doutorados, que hoje trabalham em Universidades sem dinheiro para lhes dar condições, ou partem para o estrangeiro. Esta é a verdadeira má gestão que existe no sistema de ensino superior português.
Esta situação tem de mudar. Já devia ter mudado. Portugal precisa de universidades fortes e de qualidade. Em condições de cooperarem com as melhores universidades do mundo. Com capacidade de continuarem a atrair bons académicos. Com capacidade de manterem a sua autonomia. Estas condições não podem ser melhoradas apenas em ano de eleições. É neste sentido que Mariano Gago desiludiu.»
Manuel Caldeira Cabral

(reprodução integral de artigo de opinião, intitulado "O choque académico", publicado na edição de 08/07/03 do JORNAL DE NEGÓCIOS – online)
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[cortesia de Nuno Soares da Silva]

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente artigo!