«RECOMENDA AO GOVERNO MEDIDAS QUE DESENCORAJAM PRAXES VIOLENTAS E QUE APOIAM OS ESTUDANTES VÍTIMAS DESSAS PRAXES
Todos os anos assistimos em muitas instituições de ensino superior, público e privado, a praxes violentas, como se o momento de entrada no ensino superior fosse um momento de excepção, onde tudo é permitido.
Nos últimos dez anos multiplicaram-se os casos de violência associados às praxes de Norte a Sul do país. Alguns destes “abusos” chegaram mesmo às páginas dos jornais, oferecendo visibilidade a uma realidade que vai muito para além dos casos conhecidos.
De facto, em 2003, a aluna do Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros, Ana Sofia Damião, denunciou as agressões a que havia sido sujeita durante as praxes. A instituição de ensino decidiu na altura defender os agressores e, posteriormente, sancionar tantos os agressores como a agredida de igual forma, defendendo corporativamente a violência.
Em Março do mesmo ano Ana Santos, da Escola Superior Agrária de Santarém, também denunciou a violência das praxes a que foi sujeita, realizando uma queixa na polícia e escrevendo uma carta ao Ministério Público. Neste caso, o presidente do Conselho Directivo abriu um inquérito sobre o sucedido mas, simultaneamente, deu uma entrevista à revista Visão onde defendia que também ele tinha recebido “bosta no corpo” e que era essa a tradição daquela escola agrária.
Já em 2004 veio a público um caso bastante mais grave. Diogo Macedo, aluno da Universidade Lusíada de Famalicão, faleceu no hospital após uma praxe da tuna daquela instituição. A Universidade Lusíada de Famalicão não abriu qualquer inquérito e fez saber que qualquer aluno que prestasse declarações à imprensa sobre o sucedido seria expulso. Nunca se veio a conhecer o que aconteceu naquela praxe e o processo judicial foi arquivado. A família do Diogo Macedo até hoje não teve respostas das autoridades.
A 28 de Novembro de 2006, um estudante da Escola Superior Agrária de Coimbra ficou paraplégico como resultado de uma praxe. A escola lamentou o sucedido e o Ministério com a tutela do Ensino Superior na altura apelou à responsabilidade das instituições, mas nunca foi aberto nenhum processo judicial ou cível e a culpa morreu, de novo, solteira.
No mesmo ano em Elvas, um outro aluno ficou também paraplégico depois de um acidente numa praxe académica. Neste caso os organizadores da praxe alegaram que o aluno tinha participado de livre vontade e a faculdade rejeitou qualquer responsabilidade, apesar do acidente ter ocorrido nas suas instalações.
Já em 2011, os jornais deram conta de uma aluna do primeiro ano da Academia Militar do Exercito que foi internada devido à violência de uma praxe nas instalações da Escola, na Amadora.
Os exemplos repetem-se e são a face visível de que não se tratam de “casos” ou “abusos” pontuais, mas sim de uma cultura de violência inerente à prática da praxe. Subjacente a estas práticas detectamos uma hierarquia inventada e arbitrária, que se instala entre alunos e alunas duma mesma escola, alimentando todo um sistema de obediência de uns mais “fracos” para com outros mais “fortes”.
Durante vários anos as instituições de ensino superior, públicas e privadas, contribuíram para a banalização das praxes, incluindo-as nas cerimónias oficiais, dando relevo às chamadas “Comissões de praxe” ou “Conselhos de Veteranos” e referindo-as na sua propaganda destinada aos alunos.
Em Abril de 2008, na sequência de um conjunto vasto de requerimentos do Bloco de Esquerda a instituições do ensino superior, bem como da discussão do Projecto de Resolução n.º 254/X/3.ª, que o mesmo partido apresentou, no sentido de recomendar a criação de gabinetes e linha verde de prevenção da violência das praxes e de apoio às vítimas dessas práticas., a Comissão de Educação e Ciência aprovou o relatório intitulado “As praxes académicas em Portugal”. Este relatório, que recebeu 38 contribuições de instituições do ensino superior de todo o país, realizava a resenha histórica da praxe e propunha medidas de apoio aos estudantes vítimas de praxes violentas e de responsabilização das Universidades.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior da X Legislatura, observando as propostas da Comissão de Educação e Ciência, enviou às instituições de ensino superior um memorando onde informava os Conselhos Directivos que seriam responsabilizados caso ocorressem problemas na sequência de praxes nas suas escolas. Em resposta, muitos Conselhos Directivos decidiram proibir as praxes académicas no interior das universidades e politécnicos.
Assim, as praxes académicas mantêm hoje os moldes autoritários e potencialmente violentos mas ocorrem na via pública, fora das instalações das universidades e politécnicos. Esta mudança do local onde ocorre a praxe não solucionou nenhum dos problemas que foram apontados pela Comissão de Educação e Ciência em 2008, não ajudou a proteger as vítimas de praxes violentas, desresponsabilizou os Conselhos Directivos das escolas e aumentou a insegurança a que os alunos que participam nas praxes estão sujeitos.
Deste modo, o Bloco de Esquerda considera que se devem retomar as propostas apresentadas em 2008, de forma a evitar que, de novo, aconteçam casos de violência nas praxes, com prejuízo dos alunos e alunas do Ensino Superior.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:
1. A realização de um estudo nacional sobre a realidade da praxe em Portugal, levado a cabo por uma equipa multidisciplinar de uma instituição de ensino superior pública, financiado pelo Ministério da Educação e Ciência e cujos resultados sejam públicos e tornados acessíveis on-line.
2. A produção e divulgação pelo Ministério da Educação e Ciência de um folheto informativo sobre a praxe no meio estudantil, a ser distribuído no acto das candidaturas em cada instituição de ensino superior do país.
3. A criação de uma rede de apoio aos estudantes do ensino superior que permita acompanhamento psicológico e jurídico aos estudantes que solicitem apoio e que denunciem situações de praxe violenta ou não consentida, disponível no sítio da internet do Ministério da Educação e Ciência.
4. Uma recomendação por escrito dirigida aos órgãos directivos das escolas no sentido de estes assumirem uma postura que não legitime as práticas de praxes violentas no interior ou no exterior das instituições de ensino superior, nomeadamente em todas as cerimónias oficiais das escolas.
Assembleia da República, 2 de Novembro de 2011.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda,»
(reprodução integral de projecto de resolução da iniciativa do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda)
[cortesia de Nuno Soares da Silva]
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