Também a mim me dá vontade, amiúde, de responder a Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Essa vontade vem-me, sobretudo, quando lhe leio grandiloquentes discursos, feitos para impressionar a opinião pública, quando lhe comparo a determinação do discurso com a inconsistência e falta de planeamento da acção, quando lhe noto a escassez de transparência e, de modo particular, naquelas alturas em que mais se lhe evidencia a ignorância da vivência corrente das instituições de ensino superior em Portugal. O que lhe falta em humildade e conhecimento do terreno, sobra-lhe em deslumbramento pelos modelos alheios, que não sei se conhece mas sobre os quais não me restam dúvidas a respeito da inviabilidade da respectiva transposição, à letra, para o nosso país. Não me restam dúvidas porque, sendo organizações universitárias ou outras, são, antes de mais, organizações sociais e estas estruturam-se e gerem-se com a comunidade humana que as integra e em resposta a desafios e enquadramentos culturais, económicos e institucionais que são sempre singulares.
É por isso que não passa de ingenuidade copiar os modelos de crescimento económico adoptados, em período recente, pela Irlanda ou pela Finlândia. Foi também por isso que as Descobertas de 1500 não foram empreendimentos da Alemanha ou da Suiça que, curiosamente, (esta última, precise-se) disputa por esta altura a “Taça América”, em vela, depois da ter conquistado pela primeira vez na passada edição da competição.
Sublinhando a minha convicção de que o ministro não conhece o suficiente a realidade do sistema de ensino superior nacional para alardear tanto convencimento e segurança de discurso, não estou a dizer que não conheça bem o Técnico ou o INETI. O que digo é que essas são realidades particulares que, só por acaso, serão um fiel espelho do universo das instituições dos sectores em que se inscrevem. Aliás, o sentimento que fica (partilhado por muitos outros analistas e agentes do ensino superior nacional) é o de que muita da acção do ministro é inspirada ou reage aos anseios e dificuldades das instituições que melhor conhece, o que, neste caso, não abona a favor da sua acção como ministro da tutela.
O que venho dizendo, isto é, a resposta que me apetece dar ao ministro Gago, veio-me no contexto da discussão pública do RJIES (Regulamento Jurídico das Instituições de Ensino Superior), proposta de lei palavrosa que o governo fez aprovar na generalidade, em 28 de Junho pp., pela maioria de que dispõe na Assembleia da República. Preferia que a proposta de lei tivesse sido aprovada pelos méritos intrínsecos que a qualificassem.
Não estou a querer dizer que a dita proposta de lei não contém algumas virtualidades. Contempla, por exemplo, a substituição da eleição dos reitores e presidentes de institutos politécnicos, feita até agora por colégios eleitorais manipuláveis e pouco representativos das academias, pela respectiva nomeação por Conselhos Gerais, órgão este (Conselho Geral) que também rompe com a tradição existente. Desde há muitos anos que defendo essa solução por, por experiência própria, ter concluído que as instituições universitárias (falo dessas porque gosto de falar do que melhor conheço) precisam, também elas, de lideranças eficazes e de se libertar de concertações de votos geradas por conveniências associadas à preservação de situações adquiridas e de culturas da mediocridade que, não raras vezes, grassam.
De que é isso que defendo e de que é aquilo que existe dei dolorosa conta em artigo de opinião que fiz publicar no número da revista do SNESup (Sindicato Nacional do Ensino Superior) saído no 1º trimestre do ano. Daí extraio a seguinte passagem:
“Com a informação que adianto acima, vou, também, ao encontro de José Reis quando, há algumas semanas, escreveu "que as universidades vivem uma crise institucional fortíssima” por, no seu dizer, o seu modelo de governo estar “aprisionado por lógicas conservadoras” e por “as burocracias dirigentes” não assegurarem futuro, ou de José Adelino Maltez, quando, há algum tempo mais (em 06/10/12), falava das “oligarquias de interesses estabelecidas pelo não mérito” subjacentes à eleição dos reitores. Não secundando José Reis em muito do que defende e defendeu […], é a minha vivência quotidiana que me obriga a concordar com ele, e sobretudo com José Adelino Maltez, neste diagnóstico.”.
Concordando que os reitores e os presidentes de institutos politécnicos passem a ser nomeados, e concordando com a criação de Conselhos Gerais, preocupa-me, no entanto, a forma como estes venham a ser constituídos e o modo como, por sua mediação, seja assegurada a relação necessária entre as academias e a sociedade, quer dizer, os seus interesses económicos e outros. Preocupa-me pelo que conheço da dificuldade de comunicação que subsiste entre o mundo empresarial e o mundo académico, pela ausência generalizada de um projecto de responsabilidade social que persiste no meio empresarial e pelo risco de governamentalização/partidarização das ditas estruturas, mesmo quando não estejamos perante as universidades ou institutos politécnicos regidos pela figura estatutária exótica de fundações de direito privado que prosseguem fins públicos, também introduzida na proposta de lei agora apresentada pelo MCTES (Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior).
Entre concordâncias e discordâncias - para abreviar argumentos, já que o texto vai longo -, desejaria que prevalecesse a humildade dos que aceitam que se aprende durante toda a vida, se percebesse que o debate de ideias e a comunicação não podem vingar quando, pela atitude e pela propaganda (na comunicação social), se rotula de trouxas os que mantém um ponto de vista diferente do nosso (leia-se: de Mariano Gago), e se entendesse que as reformas só perduram se forem compreendidas por aqueles que serão os seus directos intérpretes, aparte os consensos partidários que se devem assegurar na Assembleia da República.
É por isso que não passa de ingenuidade copiar os modelos de crescimento económico adoptados, em período recente, pela Irlanda ou pela Finlândia. Foi também por isso que as Descobertas de 1500 não foram empreendimentos da Alemanha ou da Suiça que, curiosamente, (esta última, precise-se) disputa por esta altura a “Taça América”, em vela, depois da ter conquistado pela primeira vez na passada edição da competição.
Sublinhando a minha convicção de que o ministro não conhece o suficiente a realidade do sistema de ensino superior nacional para alardear tanto convencimento e segurança de discurso, não estou a dizer que não conheça bem o Técnico ou o INETI. O que digo é que essas são realidades particulares que, só por acaso, serão um fiel espelho do universo das instituições dos sectores em que se inscrevem. Aliás, o sentimento que fica (partilhado por muitos outros analistas e agentes do ensino superior nacional) é o de que muita da acção do ministro é inspirada ou reage aos anseios e dificuldades das instituições que melhor conhece, o que, neste caso, não abona a favor da sua acção como ministro da tutela.
O que venho dizendo, isto é, a resposta que me apetece dar ao ministro Gago, veio-me no contexto da discussão pública do RJIES (Regulamento Jurídico das Instituições de Ensino Superior), proposta de lei palavrosa que o governo fez aprovar na generalidade, em 28 de Junho pp., pela maioria de que dispõe na Assembleia da República. Preferia que a proposta de lei tivesse sido aprovada pelos méritos intrínsecos que a qualificassem.
Não estou a querer dizer que a dita proposta de lei não contém algumas virtualidades. Contempla, por exemplo, a substituição da eleição dos reitores e presidentes de institutos politécnicos, feita até agora por colégios eleitorais manipuláveis e pouco representativos das academias, pela respectiva nomeação por Conselhos Gerais, órgão este (Conselho Geral) que também rompe com a tradição existente. Desde há muitos anos que defendo essa solução por, por experiência própria, ter concluído que as instituições universitárias (falo dessas porque gosto de falar do que melhor conheço) precisam, também elas, de lideranças eficazes e de se libertar de concertações de votos geradas por conveniências associadas à preservação de situações adquiridas e de culturas da mediocridade que, não raras vezes, grassam.
De que é isso que defendo e de que é aquilo que existe dei dolorosa conta em artigo de opinião que fiz publicar no número da revista do SNESup (Sindicato Nacional do Ensino Superior) saído no 1º trimestre do ano. Daí extraio a seguinte passagem:
“Com a informação que adianto acima, vou, também, ao encontro de José Reis quando, há algumas semanas, escreveu "que as universidades vivem uma crise institucional fortíssima” por, no seu dizer, o seu modelo de governo estar “aprisionado por lógicas conservadoras” e por “as burocracias dirigentes” não assegurarem futuro, ou de José Adelino Maltez, quando, há algum tempo mais (em 06/10/12), falava das “oligarquias de interesses estabelecidas pelo não mérito” subjacentes à eleição dos reitores. Não secundando José Reis em muito do que defende e defendeu […], é a minha vivência quotidiana que me obriga a concordar com ele, e sobretudo com José Adelino Maltez, neste diagnóstico.”.
Concordando que os reitores e os presidentes de institutos politécnicos passem a ser nomeados, e concordando com a criação de Conselhos Gerais, preocupa-me, no entanto, a forma como estes venham a ser constituídos e o modo como, por sua mediação, seja assegurada a relação necessária entre as academias e a sociedade, quer dizer, os seus interesses económicos e outros. Preocupa-me pelo que conheço da dificuldade de comunicação que subsiste entre o mundo empresarial e o mundo académico, pela ausência generalizada de um projecto de responsabilidade social que persiste no meio empresarial e pelo risco de governamentalização/partidarização das ditas estruturas, mesmo quando não estejamos perante as universidades ou institutos politécnicos regidos pela figura estatutária exótica de fundações de direito privado que prosseguem fins públicos, também introduzida na proposta de lei agora apresentada pelo MCTES (Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior).
Entre concordâncias e discordâncias - para abreviar argumentos, já que o texto vai longo -, desejaria que prevalecesse a humildade dos que aceitam que se aprende durante toda a vida, se percebesse que o debate de ideias e a comunicação não podem vingar quando, pela atitude e pela propaganda (na comunicação social), se rotula de trouxas os que mantém um ponto de vista diferente do nosso (leia-se: de Mariano Gago), e se entendesse que as reformas só perduram se forem compreendidas por aqueles que serão os seus directos intérpretes, aparte os consensos partidários que se devem assegurar na Assembleia da República.
J. Cadima Ribeiro
3 comentários:
Muito bem dito, CR.
Considero-me, sem grande desprimor, um «vencido da vida», melhor dizendo, «vencido pelos videirinhos da vida».
Gostava de ter sido o Lucky Luke e ter podido jogar ao poker com muitos dos videirinhos que enxamearam as nossas escolas da educação superior e as sugaram por dentro, para os deixar nus, nus mas sempre de gravata ao pescoço; de tal modo fizeram bem o trabalho, os nossos conhecidos videirinhos, que eu temo a confirmação a curto prazo, de que já não há estrelas no céu das nossas universidades.
Óbvio, emociono-me quando leio escritos como os que o nosso comum amigo CR produz, mas esta emoção também é tristeza, porque sinto cada vez mais o cerco apertar-se em torno das minorias que conseguem, apesar de tudo, pensar, pensar e dizer em voz alta aquilo que pensam.
Um abraço CR!
Caro Alexandre Sousa,
Obrigado pelas suas palavras de conforto. É bom sabermo-nos acompanhados de amigos como o Alexandre.
Nunca soube fazer de outro modo que não fosse dizer o que penso. Aliás, sempre me senti melhor só que mal acompanhado.
Que é isso de se dizer um "vencido da vida"? Vencidos, só quando a morte chegar!
Um abraço,
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