1. Há cerca de dezena e meia de anos, numa troca de impressões franca e viva com o director de um jornal do Minho onde mantinha colaboração regular, este saiu-se-me com a afirmação de que, ao contrário de mim, não pretendia mudar o mundo. A dita afirmação surpreendeu-me porque a linha editorial do jornal em causa estava longe de ser acomodada e porque, na sua forma de fazer jornalismo, o dito personagem tinha uma postura claramente desafiadora. Eu também não pretendia mudar o mundo, só não era capaz de calar a revolta ou o desconforto que me provocavam certos episódios da vida política e social local e nacional.
Depois disso, continuei a ser, a sentir assim, com a diferença que fui ficando menos esperançoso que as coisas mudassem e, mesmo, que houvesse entre os decisores políticos e sociais real vontade de tornar o nosso quotidiano e o nosso futuro, como cidadãos e como portugueses, mais risonhos. Mesmo que o descrédito dos partidos e políticos fosse já evidente, o crescimento económico que o país continuou a viver por mais alguns anos e algumas vitórias, pessoais e profissionais, foram-me dando ânimo para a luta que, dia-a-dia fui travando contra a mediocridade, o compadrio, a descrença, a falta de projecto.
Os últimos anos marcaram-me muito, já que até o meu local trabalho deixou de ser refúgio de esperança. A nobreza da missão que sempre acreditei estar associada à Universidade foi cedendo passo a simples jogos de poder, a exercícios de gestão animados pelo mais puro amadorismo, a fugas para diante em matéria de orientação estratégica. Para que tudo ficasse pior, à procissão que ia nos campi, a certa altura, acabaram por se juntar figurantes vindos directa e expressamente de Lisboa. Claro está que, quem os ouça falar, não os toma por tolos.
Que fazer (como questionaria Lenine, há muitas dezenas de anos, num dos seus livros)? Pois, que havia (há) a fazer senão resistir, mais que não seja para que fiquemos tranquilos com a nossa consciência? Mudar o mundo, eu? Não, simplesmente lutar para que a lama que a enxurrada gerou não nos cubra até ao pescoço ou nos leve com ela.
2. A reforma do ensino superior e das instituições que lhe dão corpo não será sólida se não assentar numa carteira de valores a cultivar ou a recuperar, por se terem perdido na voracidade dos tempos ou das disputas de poder que diminuíram as universidades e os politécnicos em décadas recentes.
Secundando o documento “The fundamental values of academic integrity” (The Center for Academic Integrity, 1999), divulgado por José N. Azevedo no blogue Aprender e Ensinar, em Setembro de 2008, os valores fundamentais que se entende deverem nortear a vida académica são os seguintes:
i) Honestidade - exprime-se na reclamação da verdade e do acesso ao conhecimento por parte de cada individuo e da comunidade académica, no seu todo, com expressão no ensino, na investigação e na prestação de serviços à comunidade;
ii) Confiança – como via para que se alcance confiança recíproca entre os membros da academia e como instrumento de encorajamento da troca livre de ideias e de geração de dinâmicas inovadoras;
iii) Equidade – materializa-se no reconhecimento da legitimidade de cada um ser tratado dentro de parâmetros de respeito e de responsabilidade assumidos e aceites pela comunidade específica como configurando prática justa e não discriminatória dos membros da dita comunidade. Deve ser prosseguido na relação entre estudantes, entre professores, entre responsáveis dos diversos níveis da gestão da organização e de cada um desses membros da instituição com os demais;
iv) Respeito – é a materialização do reconhecimento do direito de cada um a ter as suas ideias e liberdade de iniciativa dentro de parâmetros elevados de qualidade do funcionamento da organização; é exigência básica num processo de ensino/aprendizagem participativo e é complementar de um funcionamento onde a confiança entre interlocutores está presente;
v) Responsabilidade – prende-se com a transparência dos actos de gestão da instituição e de cada um dos seus projectos de ensino, de investigação e de extensão universitária, sendo peça da mobilização dos agentes da instituição para a concretização dos interesses desta.
Uma instituição de ensino superior que assente o seu funcionamento nos pilares que se enunciam será, forçosamente, uma organização viva, criativa, mobilizadora e, daí, uma organização capaz de materializar o conceito de reforma, não como acto avulso, imposto externamente, mas como elemento inerente à sua capacidade de se repensar e reposicionar perante os desafios sociais de que se entende participante.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Jornal de Leiria, no quadro de colaboração regular)
Depois disso, continuei a ser, a sentir assim, com a diferença que fui ficando menos esperançoso que as coisas mudassem e, mesmo, que houvesse entre os decisores políticos e sociais real vontade de tornar o nosso quotidiano e o nosso futuro, como cidadãos e como portugueses, mais risonhos. Mesmo que o descrédito dos partidos e políticos fosse já evidente, o crescimento económico que o país continuou a viver por mais alguns anos e algumas vitórias, pessoais e profissionais, foram-me dando ânimo para a luta que, dia-a-dia fui travando contra a mediocridade, o compadrio, a descrença, a falta de projecto.
Os últimos anos marcaram-me muito, já que até o meu local trabalho deixou de ser refúgio de esperança. A nobreza da missão que sempre acreditei estar associada à Universidade foi cedendo passo a simples jogos de poder, a exercícios de gestão animados pelo mais puro amadorismo, a fugas para diante em matéria de orientação estratégica. Para que tudo ficasse pior, à procissão que ia nos campi, a certa altura, acabaram por se juntar figurantes vindos directa e expressamente de Lisboa. Claro está que, quem os ouça falar, não os toma por tolos.
Que fazer (como questionaria Lenine, há muitas dezenas de anos, num dos seus livros)? Pois, que havia (há) a fazer senão resistir, mais que não seja para que fiquemos tranquilos com a nossa consciência? Mudar o mundo, eu? Não, simplesmente lutar para que a lama que a enxurrada gerou não nos cubra até ao pescoço ou nos leve com ela.
2. A reforma do ensino superior e das instituições que lhe dão corpo não será sólida se não assentar numa carteira de valores a cultivar ou a recuperar, por se terem perdido na voracidade dos tempos ou das disputas de poder que diminuíram as universidades e os politécnicos em décadas recentes.
Secundando o documento “The fundamental values of academic integrity” (The Center for Academic Integrity, 1999), divulgado por José N. Azevedo no blogue Aprender e Ensinar, em Setembro de 2008, os valores fundamentais que se entende deverem nortear a vida académica são os seguintes:
i) Honestidade - exprime-se na reclamação da verdade e do acesso ao conhecimento por parte de cada individuo e da comunidade académica, no seu todo, com expressão no ensino, na investigação e na prestação de serviços à comunidade;
ii) Confiança – como via para que se alcance confiança recíproca entre os membros da academia e como instrumento de encorajamento da troca livre de ideias e de geração de dinâmicas inovadoras;
iii) Equidade – materializa-se no reconhecimento da legitimidade de cada um ser tratado dentro de parâmetros de respeito e de responsabilidade assumidos e aceites pela comunidade específica como configurando prática justa e não discriminatória dos membros da dita comunidade. Deve ser prosseguido na relação entre estudantes, entre professores, entre responsáveis dos diversos níveis da gestão da organização e de cada um desses membros da instituição com os demais;
iv) Respeito – é a materialização do reconhecimento do direito de cada um a ter as suas ideias e liberdade de iniciativa dentro de parâmetros elevados de qualidade do funcionamento da organização; é exigência básica num processo de ensino/aprendizagem participativo e é complementar de um funcionamento onde a confiança entre interlocutores está presente;
v) Responsabilidade – prende-se com a transparência dos actos de gestão da instituição e de cada um dos seus projectos de ensino, de investigação e de extensão universitária, sendo peça da mobilização dos agentes da instituição para a concretização dos interesses desta.
Uma instituição de ensino superior que assente o seu funcionamento nos pilares que se enunciam será, forçosamente, uma organização viva, criativa, mobilizadora e, daí, uma organização capaz de materializar o conceito de reforma, não como acto avulso, imposto externamente, mas como elemento inerente à sua capacidade de se repensar e reposicionar perante os desafios sociais de que se entende participante.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Jornal de Leiria, no quadro de colaboração regular)
Sem comentários:
Enviar um comentário