1. Não vai para muitas semanas, os jornais nacionais davam conta que o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior havia anunciado que o processo de reconversão dos cursos do ensino superior nacional, para adequá-los a supostos ditames da Declaração de Bolonha, se encontrava concluído. Apresentava esse resultado como sinal de sucesso. Não muitos dias depois, da mesma fonte, vinha a notícia de que o caso português ia servir de referência a outros países europeus no quadro da reestruturação dos respectivos projectos de ensino superior. É caso para concluir que o que falta a Mariano Gago em capacidade de comunicação para dentro do sistema que tutela lhe sobra em eficácia de estratégia de marketing externa.
2. Para grande desgosto do ministro, há entretanto quem não cale o que vê e que, ainda por cima, tem acolhimento na comunicação social. É particularmente o caso de António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa, que, em sucessivas declarações públicas, foi deixando claro que: i) vai longe a diferença entre encurtar a duração de cursos e mudar de paradigma de ensino/aprendizagem; ii) Bolonha foi um pretexto para reduzir o financiamento público do ensino superior; iii) é francamente duvidoso que seja possível, no quadro de formações iniciais (dominantemente) de 3 anos, prosseguir os objectivos de proporcionar preparações básicas sólidas e empregabilidade; iv) feita a reforma dos cursos no papel, urge fazê-la na prática, implementando novos modelos de aprendizagem, para o que é imprescindível dotar as Escolas de adequadas condições de trabalho e de rácios de alunos por professor ajustados; v) o quadro legal enquadrador produzido, aparte gritantes falhas de planeamento e de visão sobre o que são as necessidades actuais do sistema de ensino superior, está repleto de mal-entendidos, nomeadamente ao valorizar a componente investigação na mesma proporção em que deprecia a componente ensino. O enunciado de reparos que deixo é feito de memória e falta-lhe a expressividade da linguagem de que António Nóvoa faz uso. Não é difícil de reter por o retrato que é feito ser facilmente subscrito pela generalidade dos agentes do sector não comprometidos politicamente com a governação PS.
3. Sendo um episódio na sucessão de mal-entendidos que tem informado a actuação do ministério (MCTES), o caso que passo a invocar parece-me bem ilustrativo da visão de Mariano Gago. Invoco para este efeito uma conversa breve, mantida recentemente à margem da reunião do júri de um concurso para progressão na carreira em que participei. Comentava-se a assinatura de um contrato entre o dito ministério e uma universidade americana, para efeito de oferta em Portugal de um curso de pós-graduação. Nesse contexto, alguém disse a certa altura que não haveria qualquer dificuldade de montar em Portugal um MBA ou um qualquer outro curso de pós-graduação de grande qualidade (sem a “chancela” de universidades americanas) desde que fosse posto ao dispor dos seus responsáveis os recursos financeiros necessários. Alternativamente, o MCTES prefere contratar, bem pagas, universidades dos EUA. O empenho no projecto é tanto que os ditos americanos não se dão sequer ao trabalho de vir a Portugal. Também neste caso a invocação é feita de memória. Espero, no entanto, que o leitor consiga retirar dela a dimensão de censura do provincianismo da postura política do ministro.
4. Retorno a António Nóvoa para comungar com ele três ideias mais; a saber: primeiro, que uma política que leva as instituições de ensino superior a terem nos respectivos encargos correntes, incluindo o pagamento de salários, o seu problema central não pode esperar delas senão o elementar em termos de cumprimento da(s) sua(s) missão(missões) – isso significa, por sua vez, o grau zero em matéria de política de ensino superior; segundo, na gestão das instituições como na boa gestão de qualquer processo de reforma que se pretenda duradoura, a capacidade de interlocução com os agentes da reforma é imprescindível; terceira e última, a missão da Universidade (e, nalguma medida, do Politécnico) compreende a investigação, fundamental e aplicada, mas compreende também o ensino, a extensão universitária e a formação para a cidadania. Se o ensino tem que ter presente a vertente empregabilidade, não se esgota nisso. Uma visão estreita desta dimensão pode resultar num erro a prazo, com consequências graves a nível de realização do indivíduo e de progresso social. Lendo-se a realidade do ensino superior português por estes olhos, é caso para perguntar: Mariano Gago ri de quê?
2. Para grande desgosto do ministro, há entretanto quem não cale o que vê e que, ainda por cima, tem acolhimento na comunicação social. É particularmente o caso de António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa, que, em sucessivas declarações públicas, foi deixando claro que: i) vai longe a diferença entre encurtar a duração de cursos e mudar de paradigma de ensino/aprendizagem; ii) Bolonha foi um pretexto para reduzir o financiamento público do ensino superior; iii) é francamente duvidoso que seja possível, no quadro de formações iniciais (dominantemente) de 3 anos, prosseguir os objectivos de proporcionar preparações básicas sólidas e empregabilidade; iv) feita a reforma dos cursos no papel, urge fazê-la na prática, implementando novos modelos de aprendizagem, para o que é imprescindível dotar as Escolas de adequadas condições de trabalho e de rácios de alunos por professor ajustados; v) o quadro legal enquadrador produzido, aparte gritantes falhas de planeamento e de visão sobre o que são as necessidades actuais do sistema de ensino superior, está repleto de mal-entendidos, nomeadamente ao valorizar a componente investigação na mesma proporção em que deprecia a componente ensino. O enunciado de reparos que deixo é feito de memória e falta-lhe a expressividade da linguagem de que António Nóvoa faz uso. Não é difícil de reter por o retrato que é feito ser facilmente subscrito pela generalidade dos agentes do sector não comprometidos politicamente com a governação PS.
3. Sendo um episódio na sucessão de mal-entendidos que tem informado a actuação do ministério (MCTES), o caso que passo a invocar parece-me bem ilustrativo da visão de Mariano Gago. Invoco para este efeito uma conversa breve, mantida recentemente à margem da reunião do júri de um concurso para progressão na carreira em que participei. Comentava-se a assinatura de um contrato entre o dito ministério e uma universidade americana, para efeito de oferta em Portugal de um curso de pós-graduação. Nesse contexto, alguém disse a certa altura que não haveria qualquer dificuldade de montar em Portugal um MBA ou um qualquer outro curso de pós-graduação de grande qualidade (sem a “chancela” de universidades americanas) desde que fosse posto ao dispor dos seus responsáveis os recursos financeiros necessários. Alternativamente, o MCTES prefere contratar, bem pagas, universidades dos EUA. O empenho no projecto é tanto que os ditos americanos não se dão sequer ao trabalho de vir a Portugal. Também neste caso a invocação é feita de memória. Espero, no entanto, que o leitor consiga retirar dela a dimensão de censura do provincianismo da postura política do ministro.
4. Retorno a António Nóvoa para comungar com ele três ideias mais; a saber: primeiro, que uma política que leva as instituições de ensino superior a terem nos respectivos encargos correntes, incluindo o pagamento de salários, o seu problema central não pode esperar delas senão o elementar em termos de cumprimento da(s) sua(s) missão(missões) – isso significa, por sua vez, o grau zero em matéria de política de ensino superior; segundo, na gestão das instituições como na boa gestão de qualquer processo de reforma que se pretenda duradoura, a capacidade de interlocução com os agentes da reforma é imprescindível; terceira e última, a missão da Universidade (e, nalguma medida, do Politécnico) compreende a investigação, fundamental e aplicada, mas compreende também o ensino, a extensão universitária e a formação para a cidadania. Se o ensino tem que ter presente a vertente empregabilidade, não se esgota nisso. Uma visão estreita desta dimensão pode resultar num erro a prazo, com consequências graves a nível de realização do indivíduo e de progresso social. Lendo-se a realidade do ensino superior português por estes olhos, é caso para perguntar: Mariano Gago ri de quê?
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Jornal de Leiria)
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