Fórum de Discussão: o retorno a uma utopia realizável - a Universidade do Minho como projecto aberto, participado, ao serviço do engrandecimento dos seus agentes e do desenvolvimento da sua região

quinta-feira, agosto 23, 2007

Universidade e desenvolvimento regional

Quer tomemos como ponto de partida a abordagem funcionalista quer a territorialista, instituições como a Universidade podem ser importantes instrumentos de desenvolvimento, se bem que o sejam mais quando a estratégia tenha uma matriz informadora endógena.
No primeiro caso, a Universidade será assimilável a investimento externo, eventualmente público, dotando o território de um equipamento importante pelos seus impactes em termos de criação de rendimento e de emprego, de estimulo à fixação e desenvolvimento de actividades económicas e à modernização da sociedade.
No segundo caso, a sua importância estratégica é maior já que a Instituição tende a ser vista como um agente da parceria para o desenvolvimento. Um parceiro tanto mais estratégico quanto as rupturas tecnológicas e organizacionais vêm sublinhando a componente criação e partilha de conhecimentos inerente a qualquer projecto de desenvolvimento. Isto é, o conhecimento e a acção associada ao domínio do saber tecnológico e organizacional, do saber e do saber-fazer, são os elementos portadores da diferença entre ganhadores e perdedores da batalha do progresso social do presente.
Estamos, entretanto, a invocar um modelo de Universidade que descolou daquela cujos traços caracterizadores são: i) a criação de conhecimentos, que são armazenados nas bibliotecas; ii) a transmissão de conhecimentos às novas gerações que se vão sucedendo; iii) o carácter elitista da oferta de formação que assegura, que a faz funcionar como filtro social.
Na fase de transição, a Universidade continua a formar as novas gerações mas, também, a intervir na formação continua. A oferta de formação tende a alargar-se e a equilibrar-se com a procura social. As expectativas que a sociedade coloca nas Instituições aumentam, se bem que as barreiras impostas pela estrutura produtiva (em especial, quando constituída por PMEs com restrita participação nas actividades de I&D e uma fraca dotação de técnicos qualificados) possam constituir barreiras ao desenvolvimento da relação da Universidade com o meio.
Esta fase intermédia anuncia o advento de um novo modelo cujos traços essenciais se podem já reconhecer (Massicotte, 2002): i) o conhecimento cria-se através da acção e uma nova partilha de tarefas institui-se entre investigação fundamental e aplicada, investigação e desenvolvimento, inovação e transferência; ii) a formação não está mais a montante da investigação, mas insere-se no próprio processo de criação de conhecimento; e iii) a procura social de formação ultrapassa a oferta, daí o deslocamento do acento da selecção para o sucesso.
O crescimento da procura de acesso à formação superior de que se fala é consequência da crescente proporção de actividades que requerem conhecimentos e aptidões de alto nível. Uma e outra coisa têm origem na aceleração dos avanços científicos e tecnológicos e das respectivas aplicações, numa dialéctica que a UNESCO (1998, p.26) sintetiza como segue: “o acelerar do avanço tecnológico, a obsolescência de algum conhecimento e o aparecimento de novas áreas de conhecimento e novas sínteses conduzem a um processo que, por sua vez, requer mudanças na educação superior”.
Perante esta realidade, o sucesso de uma organização ou de um território depende, cada vez mais, do conhecimento de que dispõem ou são capazes de gerar, num quadro de procura de resposta para as necessidades identificadas. Acresce que, à luz deste modelo societário e deste ritmo de transformação, os saberes dos especialistas esgotam-se rapidamente se não puderem integrar-se em equipas e em redes de criação e divulgação do conhecimento.
Para as Universidades e para os territórios, é um desafio de grande exigência este que lhes é colocado. Adicionalmente, pela natureza do projecto de construção social entrevisto, é um desafio que se vence através de uma estreita congregação de esforços com os demais parceiros do projecto colectivo de desenvolvimento.
J. Cadima Ribeiro

Referências:
- Massicotte Guy (2002), "L’enseignement supérieur et le développement des territoires", Le développement des territoires: nouveaux enjeux, Le Mouvement Territoire et Développement (Ed.), Grideq, Université du Québec, Rimouski, pp. 5-12.
- UNESCO (1998), “Higher Education in the Twenty-first Century: Challenges and Tasks Viewed in the Light of the Regional Conferences”, Word Conference on Higher Education, UNESCO, Paris.
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(artigo de opinião publicado nesta data no Jornal de Leiria, recuperando extractos de um texto já com alguns anos)

4 comentários:

Regina Nabais disse...

Sempre, mas sempre oportuno, j. cadima ribeiro.
Abraço,

Virgílio A. P. Machado disse...

Este mês de Agosto está a dar frutos de inspirações muito diversas. Já não é a primeira vez que este tema da relação entre a universidade e o desenvolvimento local e regional é abordado aqui, sob a óptica mais optimista. É uma leitura sempre muito agradável.

Ficou-me, no entanto, uma dúvida que muito agradecia se esclarecesse. Como é que se explica, de acordo com o ponto de vista de Guy Massicotte, que quando «a procura social de formação ultrapassa a oferta, daí o deslocamento do acento da selecção para o sucesso.»?

J. Cadima Ribeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
J. Cadima Ribeiro disse...

Caro Virgílio Machado,
Fico contente que tenha passado por aqui.
A propósito do que questiona/comenta, gostaria de lhe dizer o seguinte:
i) na minha perspectiva, da mesma forma que temos que defender sem tréguas a liberdade de criação e de expressão dentro da Universidade e para além dela, entendo que nos cumpre passar para a sociedade e para os jovens com que lidamos diariamente sinais de experança; é o que eu chamo trabalhar no limiar das utopias realizáveis;
ii) o modelo (em desenvolvimento) de Universidade a que me refiro deve ser considerado a esta luz, isto é, é possível, mas tem que ser construído, com esforço, por gente de boa-vontade (parto para esta afirmação da vivência que tenho da interacção com o tecido social e empresarial nacional ao longo de cerca de 25 anos; daí, acumulo frustrações e alguns - poucos - bons resultados);
iii) nos últimos anos, a procura de graduados pelo tecido empresarial tem vindo a crescer e tal sucedeu em maior medida com a oferta de formados do ensino superior. Daqui resulta, como bem sabemos a partir da realidade nacional presente, que não basta estar habilitado com um qualquer curso para ter assegurado um emprego que responda às expectativas do comum dos graduados, quer dizer, é a qualidade destes e não o curso, por si só, que lhes viabiliza o eventual sucesso profissional.
Se estivéssemos a falar de organizações em vez de recursos humanos, diriamos que é a qualidade do produto ou serviço oferecido e a consistência da estratégia produtiva e/ou comercial que lhe assegurarão um futuro.
É em torno destas ideias que o autor que aqui divulgo desenvolve o seu pensamento, que partilho numa boa medida.
Com mais tempo, poderei voltar ao assunto.
Um abraço,