1. Na minha condição de cidadão e de trabalhador do mundo, desloquei-me há poucos dias à Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade de Vigo para assegurar uma aula a um mestrado no âmbito das políticas comunitárias e da cooperação territorial. Esse curso é oferecido, desde este ano lectivo, em parceria com três Escolas da Universidade do Minho. Já me havia deslocado variadas vezes ao magnífico campus da Universidade de Vigo, em Vigo, mas a experiência a que agora me reporto foi muito singular. A singularidade residiu na circunstância de encontrar todos os corredores da faculdade atapetados com pedaços de papel e folhas secas, o que, convenhamos, não terá sido tarefa simples de concretizar, pela quantidade de papel requerido e pela extensão dos espaços interiores comuns da instituição. Algures, li escrito num pedaço de papel colado numa porta que os estudantes se recusavam a ter aulas enquanto o edifício não fosse convenientemente limpo. Não me tendo cruzado com nenhum colega conhecido, não me atrevi a inquirir de quem tinha sido o trabalho e as razões daquela inusitada situação.
2. Pese embora o que se anota antes, a aula que me propunha leccionar teve mesmo lugar, porventura por se tratar de um curso de mestrado e por caber no conceito de serviços mínimos que a Faculdade estava a assegurar. Por me parecer oportuno e por conter matéria relevante, no essencial, estive a apresentar alguns dados disponíveis numa “revista” que me chegou às mãos não há muito tempo, intitulada “Estudos Territoriais da OCDE: Portugal”, formalmente produzida pela instituição que aparece referenciada no título da obra, e editada pelo Instituto Financeiro para o Desenvolvimento regional, IP., antiga Direcção-Geral de Desenvolvimento Regional. Surpreendentemente, tem bastante informação tratada a nível de unidades estatísticas de nível III (NUTs III), o que permite traçar um retrato bastante fidedigno da realidade do país, o que de maneira nenhuma se consegue usando NUTs II, quer dizer, os territórios de intervenção das chamadas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Pena é que nem todos os dados tenham a actualidade que seria recomendável.
3. Enquanto esperava a hora da aula, dei uma vista de olhos ao material de divulgação por lá existente, tendo encontrado um jornal de âmbito estudantil, com circulação em toda a Espanha (intitulado ECCUS), datado de 24 de Novembro pp., que, entre outras matérias, se referia a “Bolonha”, com o sugestivo título: “Contra Bolonia somos muchos protestando y no podrán ignorarnos eternamente”. Surpreendeu-me não tanto o título do artigo mas a circunstância de, ao que parece, o assunto aí, em Espanha, permanecer vivo, morto que está em Portugal. Digo morto, no sentido de que há muito que dele não ouço falar. Terá, talvez, tido o encaminhamento que se costuma dar àquelas reformas nascidas de “mentes brilhantes” que são incapazes de pôr os pés no terreno para aquilatar da necessidade e da viabilidade de reformar o que quer que seja que se ache que se deve reformar. O encurtamento da duração dos cursos e dos recursos financeiros votadas à educação superior, esse, tornou-se efectivo, sem dúvida.
4. Não havendo espaço neste texto para muito mais, extraio do mencionado artigo as passagens seguintes (com tradução minha):
i) «[…] A 13 Novembro, tal como sucedeu no passado dia 22 de Outubro, milhares de estudantes (mais de 100.000, segundo fontes da Associação de Estudantes) fizeram-se de novo às ruas de Espanha com um grito na boca: “Defender a Educação Pública”»;
ii) «Uma das chaves de todo este processo está na informação ou, melhor, na desinformação, como apontam os estudantes deste movimento contra Bolonha: “É vergonhoso que só depois de nos termos mobilizado é que os Centros tenham começado a informar ´bem` os alunos. Até agora éramos nós próprios quem explicava aos nossos companheiros o que era e o que traria Bolonha”.»
São, obviamente, formas de ver e fazer as coisas que têm que ser olhadas à luz dos respectivos contextos e motivações. Nalgumas dimensões, dizem-nos, talvez, que as limitações que nos tolhem não são, afinal, tão singulares quanto, por vezes, as julgamos.
5. Ser cidadão e trabalhador do mundo é uma coisa boa. Há ocasiões, todavia, que preferia ser cidadão longe do mundo, isto é, longe de todas as desgraças de que a comunicação social e os nossos olhos, eles próprios, nos vão dando notícia. Nalguns casos, os porta-vozes da desgraça são até aqueles que anunciam que nos vêm trazer “a boa nova”.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Jornal de Leiria)
2. Pese embora o que se anota antes, a aula que me propunha leccionar teve mesmo lugar, porventura por se tratar de um curso de mestrado e por caber no conceito de serviços mínimos que a Faculdade estava a assegurar. Por me parecer oportuno e por conter matéria relevante, no essencial, estive a apresentar alguns dados disponíveis numa “revista” que me chegou às mãos não há muito tempo, intitulada “Estudos Territoriais da OCDE: Portugal”, formalmente produzida pela instituição que aparece referenciada no título da obra, e editada pelo Instituto Financeiro para o Desenvolvimento regional, IP., antiga Direcção-Geral de Desenvolvimento Regional. Surpreendentemente, tem bastante informação tratada a nível de unidades estatísticas de nível III (NUTs III), o que permite traçar um retrato bastante fidedigno da realidade do país, o que de maneira nenhuma se consegue usando NUTs II, quer dizer, os territórios de intervenção das chamadas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Pena é que nem todos os dados tenham a actualidade que seria recomendável.
3. Enquanto esperava a hora da aula, dei uma vista de olhos ao material de divulgação por lá existente, tendo encontrado um jornal de âmbito estudantil, com circulação em toda a Espanha (intitulado ECCUS), datado de 24 de Novembro pp., que, entre outras matérias, se referia a “Bolonha”, com o sugestivo título: “Contra Bolonia somos muchos protestando y no podrán ignorarnos eternamente”. Surpreendeu-me não tanto o título do artigo mas a circunstância de, ao que parece, o assunto aí, em Espanha, permanecer vivo, morto que está em Portugal. Digo morto, no sentido de que há muito que dele não ouço falar. Terá, talvez, tido o encaminhamento que se costuma dar àquelas reformas nascidas de “mentes brilhantes” que são incapazes de pôr os pés no terreno para aquilatar da necessidade e da viabilidade de reformar o que quer que seja que se ache que se deve reformar. O encurtamento da duração dos cursos e dos recursos financeiros votadas à educação superior, esse, tornou-se efectivo, sem dúvida.
4. Não havendo espaço neste texto para muito mais, extraio do mencionado artigo as passagens seguintes (com tradução minha):
i) «[…] A 13 Novembro, tal como sucedeu no passado dia 22 de Outubro, milhares de estudantes (mais de 100.000, segundo fontes da Associação de Estudantes) fizeram-se de novo às ruas de Espanha com um grito na boca: “Defender a Educação Pública”»;
ii) «Uma das chaves de todo este processo está na informação ou, melhor, na desinformação, como apontam os estudantes deste movimento contra Bolonha: “É vergonhoso que só depois de nos termos mobilizado é que os Centros tenham começado a informar ´bem` os alunos. Até agora éramos nós próprios quem explicava aos nossos companheiros o que era e o que traria Bolonha”.»
São, obviamente, formas de ver e fazer as coisas que têm que ser olhadas à luz dos respectivos contextos e motivações. Nalgumas dimensões, dizem-nos, talvez, que as limitações que nos tolhem não são, afinal, tão singulares quanto, por vezes, as julgamos.
5. Ser cidadão e trabalhador do mundo é uma coisa boa. Há ocasiões, todavia, que preferia ser cidadão longe do mundo, isto é, longe de todas as desgraças de que a comunicação social e os nossos olhos, eles próprios, nos vão dando notícia. Nalguns casos, os porta-vozes da desgraça são até aqueles que anunciam que nos vêm trazer “a boa nova”.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Jornal de Leiria)
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