1. Não sou dos que, chegado Agosto, vai a correr fazer as malas e ruma ao Algarve. Em vez disso, aproveito para fazer as tarefas que ficaram para trás e correr menos. Assim, estou seguro de iniciar o ano funcional seguinte com a agenda em dia. Assim fazendo, liberto-me de filas de trânsito, de filas de gente nos restaurantes, de serviços de restauração de má qualidade e de muita outra confusão. Com mais tempo, posso olhar para o que vai ocorrendo e, mesmo, retornar a documentos que vou arquivando para memória futura.
2. Recuando um ano, mais dia, menos dia, um título com que me deparei foi: “
Este ministro é um incompreendido, à semelhança do restante governo”. Reportava-me ao ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, de cujo desenho de políticas fui dando conta em sucessivos textos, alguns publicados neste jornal. Confesso que teria curiosidade em saber qual o julgamento que o dito fará da sua acção no recato de uma reunião de amigos. Para a opinião pública, já sabemos que se acha um grande reformador. Para me referir ao mesmo desempenho, falaria antes de trapalhice, presunção e mau juízo na aplicação de dinheiros públicos.
3. Retendo o título que indico e a substância da acção do governo, e do dito ministro, em particular, pode parecer que isso me geraria um sentimento de maior expectativa em relação à oposição “oficial” ou um qualquer desejo de me lançar nos seus braços, mesmo que a chefe da claque fosse outra que não Manuela Ferreira Leite. Tal não corresponde à realidade. Na verdade, é estranho como às vezes tenho a sensação que o tempo não passa em Portugal, isto é, tenho o sentimento que estamos continuadamente a debater e a decidir as mesmas coisas, seja na economia, seja no ensino superior. Das personagens, nem vale a pena falar.
4. Um outro texto que tive a curiosidade de reler foi um que publiquei vai para uns quantos anos. Intitulei-o então “O governo em exame”. Nessa altura, o governo em funções era ainda o do PSD/PP, e acabava de completar dois anos. Por isso, achei que fazia sentido fazer um balanço do seu trabalho. Dos três dos tópicos que tratei, retomo aqui, parcialmente, os que se referiam à retoma económica e à competitividade.
5. Entre outras coisas, sobre a retoma económica dizia o seguinte: “Depois de dois anos de recuo do PIB, do emprego e do poder de compra de parcela significativa dos portugueses, este anuncia-se como o ano de início da recuperação. Não pode, de facto, deixar de ser assim na medida em que é expectável a retoma económica do conjunto das economias da União Europeia. Implícitas na afirmação precedente estão a circunstância de Portugal ser uma pequena economia, com um grau actual de abertura muito elevado, e a postura acomodada, seguidista da política económica conduzida pelo governo em funções”. Não deixa de ser irónico que quase meia dúzia de anos depois aquilo de que o país mais carece continue a ser a retoma, isto é, o crescimento.
6. Pelo que se refere à competitividade, por sua vez, deixava dito que subsistiam duas razões maiores para as limitações de competitividade que se faziam sentir: “uma, a falta de investimento em educação e qualificação profissional; outra, a cultura empresarial […] dominante em Portugal, falha de arrojo, apostada em explorar os factores tradicionais de competitividade”. Concluía que “a forma de dar a volta ao problema residirá, obviamente, em fazer diferente […]. Para tanto, é preciso reunir os contributos do Estado, dos agentes empresariais e do cidadão comum. O Estado precisa reforçar o seu empenho na educação e na qualificação de activos […] e manter uma estratégia coerente e esclarecida […] em matéria de rumo a procurar para a economia; os empresários precisam assumir-se mais como agentes de mudança, exigindo que os governos cumpram o seu papel na parceria para o desenvolvimento que importa prosseguir [...]; o cidadão e trabalhador tem que ser mais exigente com os governos e consigo próprio”.
7. Concordarão que é interessante confrontar o que aqui recupero com o que fica a marcar o período posterior e, particularmente, com o que se passou em matéria de acção do último governo, de que é exemplo expressivo a política educativa (chamemos-lhe assim), bem sintetizada na frase
"A política educativa deste Governo [...] vai ficar para a história como um mar de antagonismos com os professores", retirada de um blogue de um professor do IPLeiria.
J. Cadima Ribeiro
(artigo de opinião publicado em 2009/09/17 no
Jornal de Leiria)