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domingo, abril 01, 2007

A Educação não é um ramo da Economia - II

A sociedade portuguesa viu instalar-se nos derradeiros anos um discurso negativo sobre os seus recursos e capacidades. [...].
Esse discurso descrente e desencantado tem intérpretes em múltiplos sectores da sociedade mas parece ter penetrado mais fundo no sector da educação, incluindo o ensino superior.
[…].
Colocadas num contexto geral de reflexão sobre a evolução e futuro da formação graduada e pós-graduada, estas questões têm merecido a atenção de diversas instâncias nacionais e internacionais. Para reter um desses documentos, menciono aqui o relatório da UNESCO sobre “Higher Education in the Twenty-first Century: Challenges and Tasks Viewed in the Light of the Regional Conferences” (Word Conference on Higher Education, Paris, Outubro de 1998).
Recomendando vivamente aos interessados a leitura do citado documento, de forma sumária não queria deixar de dar aqui o meu testemunho sobre as questões mencionadas.
1. […];
2. Há quem pretenda confundir Educação e Economia. Conforme o sublinha o documento da UNESCO já identificado, “a Educação não é um ramo da Economia, nem o processo educativo, os seus propósitos últimos ou os seus resultados ou ‘produção’ são comparáveis aos da Economia” (UNESCO, 1998, p.3). E, contínua, é, antes, “um sector essencial da sociedade e uma condição da existência social”
Naturalmente que a formação universitária deverá também formar técnicos, que sirvam as empresas, que sirvam a sociedade. Mas são, deverão ser, as licenciaturas assimiladas simplesmente a cursos de formação profissional? E porquê então subsistem sistemas de ensino universitário, politécnico, de formação profissional?
Obviamente que a sociedade do presente, a sociedade do conhecimento, e o ritmo das rupturas tecnológicas e organizacionais impõem um outro projecto de Universidade e um outro modelo de parceria entre a universidade e a economia. Isto porque o conhecimento cria-se, crescentemente, através da acção e uma nova partilha de tarefas se institue entre investigação fundamental, investigação aplicada, inovação e transferência, e porque, nesse contexto (que só parcialmente é ainda o do presente), a formação não estará mais a montante da investigação. Mas quem é que em Portugal já encarou seriamente isso? Que políticas activas estão esboçadas para aproximar o presente do futuro?
3. É recorrente o discurso culpabilizando os professores e a gestão universitária pública pela frustação dos estudantes em matéria de saídas profissionais, e, antes disso, pelo insucesso escolar. Isso tem servido de pretexto para atingir fortemente a autonomia das instituições de ensino público consagrada nas leis que a essa matéria se referem, publicadas nos anos 80. Nesta vertente, convergem o discurso dos estudantes, de alguns sectores empresariais e o dos governos (o presente e os anteriores, de iniciativa do PS).
O discurso é de tal modo desqualificado e demagógico que se emaranha nas suas próprias contradições. Para sublinhar algumas dessas contradições, deixemos algumas perguntas de resposta óbvia: i) quem permitiu a inúmeras instituições privadas operar como instituições de ensino superior e quem autorizou o funcionamento dos respectivos cursos? ii) Quem regula as condições de acesso e define os contingentes de alunos que ingressam no sistema público? Quem é que veio reclamar a necessidade de regular a criação de cursos superiores quando o mercado já dispensava essa intervenção reguladora?
As considerações que antes deixo pretendem dar conta da complexidade do que está em causa. Antes disso, porém, visam sublinhar que não é matéria onde o discurso fácil e a demagogia devam ser incentivados. Infelizmente, o que se tem visto em Portugal é o rigoroso contraponto do que aqui enuncio.

J. Cadima Ribeiro

(reprodução da 2ª parte de texto datado de 2003/12/03: a 1ª parte foi divulgada na 5ª feira pp.)
Comentário: às vezes tenho curiosidade de rever peças escritas que tenho no baú; esta é uma delas)

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