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quinta-feira, abril 19, 2007

Não defendo a transformação da minha Escola numa escola politécnica

"Educação
P: O Conselho de Ministros aprovou recentemente o estatuto do aluno do ensino básico e secundário, que pretende reforçar a autoridade dos professores e das escolas. Vê esta medida com bons olhos?
R: Vejo. Não entendo, aliás, como se pôde atingir tão duramente o estatuto social e a dignidade pessoal dos professores. Só pôde ser o resultado de políticas casuísticas e de desvarios pedagógicos. Tenho para mim que na base do projecto educativo têm que estar os professores e a respectiva dedicação. O receio que mantenho reside no facto de quem se propõe aprovar esta medida serem rigorosamente os mesmos que não têm hesitado em vir para a praça pública dirimir diferenças de visões sobre a gestão e a missão das escolas e o estatuto administrativo dos professores. Acresce que a qualificação geral e de funcionamento das escolas também não se faz sem investimento nas condições de trabalho de estudantes e professores e, desse ponto de vista, tem-se visto pouco ou nada.

P: Os alunos chegam bem preparados ao ensino superior?
R: Não, não chegam. Explicito: os hábitos de estudo (trabalho) não são, na maior parte dos casos, os mais adequados ao tipo de exigência do ensino superior: aparecem com pouca autonomia e iniciativa e com evidentes dificuldades de comunicação, particularmente em termos de escrita; dada a massificação do acesso que se operou a partir de certa altura, conjugada com a valorização social do ensino universitário, os grupos que nos chegaram (à universidade, digo) passaram a ser muito heterogéneos, incluindo estudantes que deveriam ter optado pelo ensino politécnico. Daqui, ficou a perder a qualidade do ensino universitário, a sociedade, que não pôde dispor de profissionais com as qualificações adequadas às necessidades dos mercados, e os próprios, que saíram frustrados e com crescentes dificuldades de inserção na vida activa.

P: A Universidade do Minho (UM) já adaptou alguns cursos à Declaração de Bolonha. Concorda com este modelo de ensino?
R: A UMinho está em vias de ter todos os seus cursos formalmente adaptados a “Bolonha” ainda em 2007. Destaco o formalmente porque uma coisa é reduzir escolaridades totais e semanais outra é ter os cursos a funcionar segundo o novo paradigma formativo que a Declaração de Bolonha pressupõe. Nessa vertente, as coisas vão levar muito mais tempo, até porque o processo começou mal, com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a falhar, claramente, na libertação atempada dos enquadramentos legais e nas orientações de procedimento que deveria ter transmitido às escolas, primeiro, e, depois, ao ver no processo uma forma fácil de poupar dinheiro, isto é, de desinvestir em termos de formação superior.
O modelo de ensino que é proposto é mais desafiante para alunos e professores e, nessa medida, só pode ser bem acolhido. Permite, por outro lado, um recurso reforçado às novas tecnologias de comunicação e informação, o que o torna ajustado à realidade tecnológica e vivência comum dos nossos jovens. Exige bastante mais autonomia e iniciativa dos estudantes, o que vai levar algum tempo a conseguir. Entretanto, reclama um acompanhamento mais personalizado dos estudantes por parte do professor, o que se compagina mal com cargas horárias excessivas (próprias do modelo de ensino precedente), que se está em risco de implementar por força dos cortes orçamentais que vêm atingindo o ensino superior público.

P: Este ano, a UM criou novos cursos. Contudo, é intenção do Ministério do Ensino Superior reduzir o número de licenciaturas leccionadas nas instituições de ensino. Como se posiciona em relação a esta questão?
R: No que se refere à minha Escola/Faculdade (Escola de Economia e Gestão), isso é verdade. No cômputo geral da UMinho, desconheço; é uma realidade que, presentemente, me é relativamente distante. Posso-lhe dizer, no entanto, que se eu fosse o Presidente da Escola nesta altura (como fui durante vários anos), isso não teria acontecido. Quero eu dizer que não subscrevo a estratégia seguida.
Isso não tem que ver com o Ministério querer ou não (tenho o sentimento que o Ministro, amiúde, não sabe o que quer ou está mal informado), mas com o convencimento que tenho que os novos cursos não acrescentam nada à valia do projecto formativo da Escola. Podem funcionar canibalizando os cursos previamente existentes e têm um perfil mais de curso politécnico que universitário, e eu não defendo a transformação da minha Escola numa escola politécnica.
Julgo que o problema do Ministério não é tanto haver cursos a mais mas haver cursos iguais com designações distintas, o que gera problemas de transparência no mercado. Isso passa-se quer nas Universidades quer nos Politécnicos."

J. Cadima Ribeiro

(extracto de entrevista concedida ao Jornal de Leiria, de 07/04/19; entrevista conduzida pela jornalista Raquel Silva)

2 comentários:

Regina Nabais disse...

Olá Cadima Ribeiro.
Gostei muito de ouvir as opiniões de quem foi entrevistado. Não percebi bem se foi até o próprio Cadima.
Identifiquei-me muito com o facto de precisarmos distinguir BEM as formações entre universidades e politécnicos, sem o que tudo perde o sentido.
Essa distinção obrigaria a que nas propostas de formações, as instituições estivessem mais preocupadas com a descrição pormenorizada dos Students Learning Outcomes (SLO) que as suas formações garantem por métodos de ensino-aprendizagem, avaliações adaptadas a cada SLO, do que com listas de conteúdos programáticos (literatura ou de cursos semelhantes em nome)ou competências profissionais (das organizações de classe). Através dos SLO poirmnorizados, dos métodos de Ensino Aprendizagem e dos sistemas de avaliação que os garentem, pode-se distinguir muito bem a proveniência distinta de uma formação politécnica da universitária, melhor até do que dar às formações respectivas diferentes designações.
Tenhamos esperança que os sistemas dinâmicos, de aperfeiçoamento contínuo da Educação terciária, possibilitem melhorias significativas.

J. Cadima Ribeiro disse...

Cara Regina Nabais,
As declarações são minhas. Peço desculpa se isso não resultou bem explícito na inserção.
A dificuldade deste tipo de entrevista está em dizer claro (conjugando rigor e parcimónia de palavras) e, simultaneamente, conseguir comunicar com um público alargado e heterogéneo.
Trata-se de um semanário generalista, regional.
Foi um risco que assumi. Ainda bem que me entendeu.
Um abraço,

J. Cadima Ribeiro